Header Ads

Review | A Liberdade é Azul


Talvez esse seja o primeiro filme com um verdadeiro status de cult que apresento no blog. A Liberdade é Azul faz parte da glorificada Trilogia das Cores, do diretor polonês Krzysztof Kieslowski, um dos maiores nomes da história do cinema europeu.

Chamada de Trois couleurs na França, a Trilogia das Cores é formada pelos filmes Bleu (A Liberdade é Azul), Blanc (A Igualdade é Branca) e Rouge (A Fraternidade é Vermelha). Como fica claro, os títulos fazer referência a bandeira francesa, que tem suas cores baseadas no lema da Revolução Francesa (os três conceitos colocados nos títulos brasileiros, sendo uma das melhores adaptações de títulos já feitas, sem dúvida).

Considerada a obra prima de Kieslowki, a trilogia foi seu último trabalho antes de se aposentar e falecer. Trilogia das Cores tenta representar os três conceitos do lema francês, cultuados em toda a Europa, em histórias pessoais de cidadãos europeus num continente que vem passando por várias reformas econômicas e sociais, tentando trazer uma união entre os países após o fim da União Soviética (deixando claro que o assunto em nenhum momento é realmente tratado, mas fica subentendido, principalmente no segundo filme).

Arte de Victo Ngai

A Liberdade é Azul é o primeiro filme, lançado em 1993, estrelado por Juliette Binoche (que 3 anos depois ganharia o Oscar por sua atuação em O Paciente Inglês), também contando com os atores Benoît Régent, Florence Pernel e Emmanuelle Riva (recentemente a atriz mais velha indicada ao Oscar, por Amour). Assim como os outros dois filmes, possui Kieslowski na direção e no roteiro, com apoio de Krzysztof Piesiewicz, além de Zbigniew Preisner na trilha sonora.

O filme se inicia com um casal e sua filha passeando de carro. Sem nenhuma apresentação dos personagens, logo em seguida vemos o carro bater numa árvore, com o filme cortando diretamente para a mulher acordando em um hospital, recebendo a notícia de que seu marido e sua filha morreram no acidente. De forma lenta vamos entendendo que a mulher é Julie, esposa de Patrice de Courcy, um dos maiores compositores da Europa, que estava compondo o tão esperado Concerto de Unificação da Europa, esse que seria tocado simultaneamente em vários países europeus, celebrando o fim da Guerra Fria.

Logo ao sair do hospital, Julie, que também é compositora, já se vê pressionada a terminar o trabalho de seu marido, mostrando a pouca sensibilidade da mídia em relação ao estado emocional da mulher. Após essa pressão, aos poucos vamos vendo Julie se desfazendo de tudo relacionado a Patrice e sua filha, incluindo a casa e os trabalhos incompletos do esposo. Como um modo de se ver livre de tudo e de todos, ela resolve ir morar longe de todos aqueles que a conhecem.

Bleu é, de toda a trilogia, o filme com a maior carga dramática, e o mais difícil de se “consumir”. De narrativa lenta e silenciosa, ele se passa apenas na perspectiva de Julie. O que ela realmente está moldando para si mesma nunca é jogado na lata, sendo sempre necessário interpretar aquilo que está sendo feito por alguém desequilibrada e ao mesmo tempo fria.


Julie busca a liberdade plena, sem relações relevantes com ninguém, o que não é tão fácil quanto parece. No caminho em que ela busca essa liberdade, ela aparenta muito mais se isolar consigo mesma, isso pelo afeto e pela empatia que, como ela mesmo diz, são armadilhas que podem prendê-la e, obviamente, tirar sua liberdade.

Aos poucos Julie começa a notar que essa tentativa de ser livre não está dando certo, a partir do momento em que começa a ter uma amizade com uma stripper, volta a dar sua atenção à mãe que vive no asilo e ao trabalho de seu marido, além de vasculhar sobre a vida do mesmo. Ela começa a notar que sua liberdade plena acaba quando a do outro se inicia, sendo assim praticamente impossível ser totalmente livre. De um podo crítico Kieslowski demonstra que o ideal de liberdade só é realmente bom quando faz bem a quem o busca.

A Liberdade é Azul muitas vezes soa como um filme experimental do que qualquer coisa. Apesar de ter sua trama bem construída, como eu bem disse, possui um clima pesado, em todos os sentidos. É uma obra muito mais focada em momentos de quase nenhum diálogo, com música forte ao fundo, além de grandes e belos quadros. O filme trabalha muito bem com uso de luz, muitas vezes mostrando apenas o rosto de Julie com feixes de luz em sua face, sem mostrar o que está segurando, isso durante longas cenas. É um modo de causar mistério com pequenas coisas, assim como a própria vida da protagonista, que tem seu passado revelado aos poucos de forma natural. Destaque também para a cena do reflexo no olho, ainda nos minutos iniciais, que é de uma perfeição esplêndida.


Outro detalhe interessante, que une todos as três obras, são cenas com os personagens dos outros filmes. Nunca há diálogos entre eles, apenas cenas em que um aparece no fundo do quadro ou coisas do tipo. Bleu possui um trecho que é exatamente no começo de Blanc, mas pela perspectiva de Julie. Há também uma cena de uma idosa tentando colocar uma garrafa no lixo, essa que se repete com outros idosos nos outros filmes.

A música é um dos elementos chave do filme todo. A trilha sonora de Zbigniew Preisner é perfeita, apresentando de forma completa o tal Concerto de Unificação da Europa, em duas versões alternativas, que demonstra justamente a diferença da visão musical de cada compositor. Um dos fatores mais interessantes é quando a música toca conforme é mostrado nas notas que são exibidas pela câmera, sendo de total genialidade o momento quando as folhas com rascunhos são jogadas fora e o som se contorce totalmente. É um método de misturar o cinema e a música de uma forma extremamente criativa.


Trois couleurs: Bleu não é um filme fácil de ser apreciado. Possui um clima e uma narrativa pesada, com poucos diálogos, além de ser um filme que entrega as coisas aos poucos, deixando com que quase tudo seja interpretado por quem assiste, sem em nenhum momento explicar o que se passa pela cabeça de Julie. É um filme de maior enfoque artístico, sendo menos acessível que os filmes seguintes. De grande destaque, o filme possui uma atuação magistral de Juliette Binoche, que pelo papel conseguiu holofotes na América sendo indicada ao Globo de Ouro, abrindo as portas para esse mercado e conquistando o Oscar pouco depois. Apesar de difícil, é um excelente começo para uma trilogia que apenas melhora ao passar dos filmes.



Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.