Review | Amor à Queima-Roupa (True Romance)
Quentin Tarantino é sem dúvida alguma um dos principais diretores na nossa atual geração. Não possui só talento atrás das câmeras, homenageando obrar antigas com toque modernos, mas também tem outra grande característica que é seu enorme talento em roteiros, que são sempre dele em seus filmes, talvez sendo sua verdadeira maior qualidade, tanto é que seus dois Oscares foram por roteiros (Pulp Fiction e Django Livre). O que poucos sabem é que, antes de apresentar para o mundo sua primeira grande obra, Cães de Aluguel, ele já havia vendido alguns roteiros para estúdios, sendo o primeiro deles True Romance, ou Amor à Queima-Roupa.
O roteiro é baseado em um texto
escrito em 1985 pelo roteirista amigo de Tarantino, Roger Avery (co-roteirista
de Pulp Fiction), esse chamado The Open Road. O texto falava do casal Clarence
e Alabama, sendo que Clarence nesse texto resolve criar um roteiro sobre Mickey
e Mallory, uma dupla de serial killers. O casal acabou indo para True Romance,
enquanto a história de Mickey e Mallory foi para Assassinos por Natureza.
True Romance foi lançado em 1993,
entre Cães de Aluguel e Pulp Fiction (esses dirigidos por Tarantino), tendo
como diretor o renomado Tony Scott (Top Gun, Dias de Trovão). O filme é um dos
grandes casos de elencos de grandes estrelas que, na época, não eram tão
famosos. Os grandes nomes do filme eram Christopher Walken, Dennis Hopper e Val
Kilmer (numa participação em que nem mostra o rosto), além de Gary Oldman que
estava iniciando seu ciclo de sucessos após Drácula. Já entre os atores não tão
famosos na época, tínhamos Christian Slater (Mr. Robot), Patricia Arquette
(Boyhood), Brad Pitt, James Gandolfini (Sopranos) e Samuel L. Jackson. Todos
sem dúvida nenhuma formariam um dos elencos mais caros possíveis nos dias de
hoje.
O protagonista da história é
Clarence (Christian Slater), um funcionário de uma comic-shop de Detroit que,
em seu aniversário, faz sua rotina de todos os anos, que é ir ao cinema, no
caso para ver a trilogia Street Fighter, de Sonny Chiba. No cinema, ele acaba
conhecendo Alabama (Patricia Arquette), que depois de saírem pra comer e para visitar a loja aonde ele trabalha, eles acabam na
cama. Após a transa, Alabama revela para Clarence que ela é uma prostituta e
que foi contratada pelo patrão dele, o dono da loja de quadrinhos, como presente de aniversário. Ela conta
que acabou de entrar para a profissão e que se apaixonou por ele.
Clarence sente o mesmo por ela, até por ser um cara bem solitário. Com esse
sentimento mútuo, os dois acabam se casando no dia seguinte.
Os problemas começam quando
Clarence, após uma conversa com uma versão imaginária de Elvis Presley (Val
Kilmer) no banheiro, resolve acertar as contas com Drexl (Gary Oldman), o
cafetão de Alabama. Clarence vai até o bordel de Drexl, acaba gerando uma
confusão, mas vai embora com a mala de roupas de Alabama, a qual ele foi
buscar. Ao chegar em casa, o casal resolve abrir a mala e, ao invés de haver
roupas, ela está cheia de pacotes de cocaína. Parecendo ser uma chance de ouro,
os dois resolvem fugir de Detroit e ir para Los Angeles para tentar vender a
droga lá, aproveitando que o amigo de Clarence, Dick (Michael Rapaport), tentava carreira de ator. Obviamente a situação não era tão simples, e o casal acaba sendo caçado
por um grupo de mafiosos liderado por Vincenzo Coccotti (Christopher Walken).
Temos aqui um filme que gosta
bastante de brincar com a cultura pop. Desde a influência de Elvis nas atitudes
de Clarence, até o mesmo se inspirar em seus heróis de ação para tomar atitudes. É
como se ele fosse um típico cara nerd, que adora muita pancadaria e violência,
mas ao invés de apenas ter vontade de fazer aquelas coisas, ele realmente faz,
chegando a um certo ponto de quase insanidade do mesmo pra tentar ser um
verdadeiro badass.
Os personagens em geral possuem
uma mentalidade bem fútil, mas ela parece ser muito mais uma crítica à
sociedade em geral do que uma pobreza de roteiro ou direção. É possível ver
sonhos bestas, além de piadas racistas e preconceituosas que, como nos outros
filmes de Tarantino, sempre soa como ironias e um padrão característico das
sociedades que ele apresenta.
O filme lida com mortes de
maneira totalmente natural, sendo basicamente situações que ocorrem e... Fim.
Sem dramatizações ou coisa do tipo, morte é algo normal e não há grande
romantismo, assim como é na vida real. Isso já era possível de ver em Cães de
Aluguel e, em Pulp Fiction, fica mais impressionante com o plot twist que
ocorre no meio do filme.
O filme pode não ser dirigido por
Tarantino, mas muitas de suas marcas estão no filme através do roteiro. O
protagonista Clarence parece uma versão fictícia do próprio Quentin, sendo um
completo nerd, que trabalha no comércio do que gosta (Tarantino era balconista
de locadora), sendo aficionado por cinema de ação oriental e por rock clássico.
Além disso temos um alto de nível de violência e sanguinolência, além das cenas
de banheiro terem uma importância específica assim como em Pulp Fiction (aonde
sempre ocorria algo ruim quando Vincent ia ao banheiro).
Longos diálogos, outra grande marca
do roteirista, já estão presentes nesse filme, havendo uma cena de interrogação
de cerca de 10 minutos, recheado de curiosidades que ninguém se interessa
muito, além de piadas próximas ao humor negro. Em compensação, diferente do
comum nos filmes de Tarantino, a narrativa é linear, apesar do roteiro original
não ser. Tony Scott, após escolher adaptar True Romance (ele teve que escolher
entre ele e Cães de Aluguel), resolveu “organizar” a cronologia do roteiro que possuía
3 atos fora de ordem, além de mudar o final, esse que, apesar de Tarantino não
concordar muito, respeita pela visão de Scott.
Outro ponto bacana de se destacar
é que o filme, apesar de não ser um dos 8 filmes de Taratino, faz parte de seu universo
compartilhado. A teoria de que seus filmes teriam ligações, após várias
discussões na internet, já foi confirmada pelo mesmo. Duas conexões que se pode
ver do filme com outros é o fato de Mr. White, em Cães de Aluguel, dizer que
trabalhou com uma mulher chamada Alabama (o que se encaixaria bem com o final
original de Tarantino), além do sobrenome do Urso Judeu, Donny Donowitz (de
Bastardos Inglórios), ser o mesmo de Lee Donowitz, um produtor de cinema
presente em Amor à Queima-Roupa.
Saindo das babações em cima do Tarantino,
vamos falar da trilha sonora. As músicas originais do filme são compostas pelo famoso
Hans Zimmer, além de possuir outras músicas licenciadas, como alguns rocks e
músicas eletrônicas. O tema principal do filme, “You’re So Cool”, de Zimmer,
possui um ar bem feliz e alegre, que funciona muito bem nas cenas mais leves e
tranquilas no meio de cenas mais pesadas de ação.
A direção de Tony Scott é
excelente. Ele pode não ser tão ousado com o trabalho, mas ele sabe contar a
história muito bem. São lindas as cenas de paisagens ou de carros passando,
além dele saber bem conduzir batalhas pesadas e violentas. A sacada envolvendo
as cenas de Elvis é excelente, além da naturalidade em que a maioria das cenas de
brigas e diálogos ocorre.
Amor à Queima-Roupa é um filme
obrigatório para qualquer fã de Tarantino. É o início de seu trabalho, assim
como Cães de Aluguel. E, para quem não é tão fascinado pelos trabalhos do
mesmo, também deveria dar uma chance. Apesar de ser a base de muito do que veio
depois pelo mesmo, ainda é um filme mais normal, até pela narrativa que não
inova, sendo a clássica linear. É também uma boa para quem acompanha hoje em
dia o trabalho dos atores que citei (principalmente para os fãs de Mr. Robot
verem um dos primeiros filmes de Slater) e ver como evoluíram em atuação. True
Romance é um bom filme pipoca para quem curte uma boa história e um cinemão
anos 90.