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Memórias de um Assassino e Mother: construindo narrativas



Sim, estou de volta. Admito que é estranho voltar a escrever para o blog depois de quase 3 anos, muita coisa mudou, tempo se tornou algo escasso, mas no meio dessa quarentena consegui espaço para arriscar escrever um pouco.

Vencedor de inúmeros festivais, foi o primeiro filme coreano a vencer a Palma de Ouro (mais de uma década depois de Oldboy quase ter conseguido) e, o mais inimaginável dos fatos no mundo do cinema, o primeiro filme em língua não-inglesa a vencer o Oscar de Melhor Filme. Foi uma edição no mínimo emocionante, principalmente considerando que a justiça foi feita. Parasita é, sem sombra de dúvidas, um filme que nasceu como um clássico e o tanto de prêmios que venceu apenas aumenta o alcance de uma obra sensacional como essa.

Até então, meu único contato com o diretor Bong Joon-ho havia sido o excelente sci-fi Expresso do Amanhã. Sinceramente, para mim Parasita e o mesmo tem muitas semelhanças, apesar das ambientações distintas. Com duas obras de peso assim, resolvi me aprofundar mais nas obras do diretor e o que posso dizer é que o mesmo possui um dos portfólios mais invejáveis possíveis. Tendo em vista isso, hoje irei tratar não só de um filme do diretor, mas de dois: Memórias de um Assassino (Salinui chueok) e Mother - A Busca Pela Verdade (Madeo).

Pra preparar o clima, fiquem com a belíssima trilha sonora de Salinui chueok, composta por Taro Iwashiro, famoso pela trilha sonora dos OVAs de Rurouni Kenshin:


Primeiro, vou introduzi-los aos dois filmes, evitando spoilers a princípio (os mesmos ficarão reservados para o final do artigo).

Memórias de um Assassino (Salinui chueok)

Salinui chueok foi o segundo filme de Bong Joon-ho (o primeiro foi a comédia Cão que Ladra não Morde, de 2000), lançado em 2003. Para muitos, mesmo após Parasita, essa se trata de sua melhor obra. Pessoalmente discordo, mas é totalmente compreensível e aceitável colocá-lo nesse patamar. O filme adapta uma peça de teatro de mesmo nome lançada em 1996 que, por sua vez, se baseia no caso do primeiro serial killer registrado na Córeia do Sul, o qual cometeu uma série de estupros e assassinatos na cidade de Hwaseong entre 1986 e 1991. 



Os protagonistas do filme são Park Doo-man (Song Kang-ho, pai da família pobre em Parasita) e Seo Tae-yoon (Kim Sang-kyung), ambos detetives. O primeiro, residente da região dos assassinatos, com mais tempo de carreira e o segundo vindo de Seul, mais novo, mas acostumado a criminosos mais lógicos, diferente dos bêbados e deficientes mentais da pequena cidade.

No filme, que se passa próximo ao fim do regime militar sul-coreano, vemos inicialmente como é a rotina dos detetives da cidade de Hwaseong, aonde casos de estupro e assassinato eram corriqueiros, tendo sempre o mesmo perfil de, ora drogados e bêbados, ora deficientes mentais. Quando uma mulher é encontrada morta com sinais de estupro, parecia-se apenas mais um desses casos. Com pouco cuidado com as evidências, conforme o culpado não aparecia, achar um bode expiatório para incriminar era a prioridade e, quando um deficiente se encaixa como primeiro suspeito, após horas de tortura, forçam o mesmo a se confessar culpado.

Eis que outro caso similar é descoberto, assim como outros que prosseguem. Conforme se nota as coincidências que são apresentadas, os detetives são obrigados a aceitar que não estão mais lidando com um simples criminoso que teve seu momento de surto, mas sim alguém meticuloso, mais parecido com os famosos casos ocidentais como Jack O Estripador e o Zodíaco. 



A partir daí novos suspeitos são identificados, com quase todas as vezes havendo violência policial por horas para que os suspeitos confessem o crime, até o momento em que a violência não possui mais serventia e começam a lidar com uma pessoa que não está disposta a se incriminar por medo.

O filme é bastante comparado com o filme Zodíaco de 2007, dirigido por David Fincher (Clube da Luta, Se7en, Garota Exemplar) o qual, assim como Memórias de um Assassino, trata, de forma realista, a busca de detetives por um dos maiores serial killers dos EUA e, também como no filme coreano, demonstra como as limitações tecnológicas impediram uma investigação mais detalhada dos casos.

Memorias de um Assassino de início varia bastante entre tons dramáticos e de comédia, até se assumir como um thriller tenso, prosseguindo até um final desnorteante.

Mother - A Busca Pela Verdade (Madeo)


Madeo ou Mother (não confundir com mother! do Darren Aronofsky, que também merece um artigo) é um filme de 2009, também dirigido por Bong Joon-ho e também do gênero thriller. Assim como Memórias de um Assassino, se encontra no top 1 de vários fãs do diretor e com motivos aceitáveis. Diferente do outro filme, esse é uma ficção e, ao invés de se focar nos detetives, se foca na mãe de um suspeito.



A protagonista do filme é uma mãe sem nome interpretada por Kim Hye-ja que vê seu filho Yoon Do-joon (Won Bin), o qual sofre de deficiência mental, ser preso pela polícia pelo assassinato de uma adolescente. Na cena do crime havia uma bola de golfe que o mesmo havia roubado mais cedo, durante um incidente no qual tinha sido detido após tentar se vingar por ter sido atropelado. Além disso, o crime coincide com o horário no qual saiu de um bar completamente bêbado, falando safadezas para a filha da dona do bar.

A mãe então parte em uma jornada para livrar o filho da cadeia. O mesmo, após tortura policial confessou o crime e encenou o modo como havia assassinado a garota (conforme a polícia o havia orientado). A personagem de Kim Hye-ja vai atrás de um advogado que aceite o caso mas, vendo que o profissional não acreditava na inocência do rapaz, busca por conta própria evidências que provem a inocência de seu filho ou que ao menos sirvam para culpar outro suspeito.


A protagonista, conforme vai a fundo no caso, começa a descobrir várias facetas sobre os envolvidos com seu filho e com a vítima, descobrindo motivos que poderiam ter levado a armarem para seu filho e até mesmo para matarem a garota.

Dentre os filmes de Bong Joon-ho, Mother deve ser o filme mais sério do diretor, dando muito pouco espaço para momentos cômicos. Assim como a mãe se aprofunda no caso, o diretor faz com quem assiste também se adentre aos mistérios da trama, com a revelação sobre o real assassino sendo algo no mínimo interessante, principalmente no que envolve a consequências causadas pela investigação.

Resolvendo as coisas no “diálogo”


Como deu para ver, em ambos os filmes o diretor faz questão de alertar sobre a violência policial e como a mesma pode ser utilizada para manipular a conclusão de um crime o qual, sem a confissão de um bode expiatório, levaria a custos de tempo e dinheiro e poderia colocar a eficiência dos departamentos de investigação em xeque. Um caso mundialmente famoso pela tortura policial ter levado a punição incorreta de não só um como de vários envolvidos foi o dos Guildford Four e dos Maguire Seven, no qual a polícia obrigou que os suspeitos a confessassem envolvimento num atentado terrorista realizado pelo IRA em 1974. No final dos anos 80 foram descobertas provas de que evidências haviam sido forjadas pelos investigadores. O caso foi retratado no excelente drama Em Nome do Pai, de 1993, protagonizado por Daniel Day-Lewis.



Voltando aos filmes coreanos, Mother retrata justamente o que aconteceria se, diferente do que se prosseguiu em Memórias de um Assassino, não houvessem outros casos e não houvesse alguém realmente interessado dentro da polícia de buscar evidências concretas sobre o caso. Em Mother vemos a perspectiva de quem está sendo punido sem uma investigação plena, enquanto em Memórias seguimos a narrativa da polícia agressora, questionando as atitudes violentas que os mesmos tomam em busca de uma glória em frente aos jornais. 



Para nós que estamos assistindo, fica claro a tentativa de manipulação mas, na vida real, quantos casos como esse compramos a verdade que é vendida para nós (principalmente quando o suspeito já está morto)?

O thriller no cinema


Eu diria que o gênero thriller/suspense é o que mais abre portas para extremos, ou ser muito surpreendente, ou ser muito decepcionante. São vários os casos de filmes que conseguiram grande destaque e outros que ficaram fadados às listas de piores filmes. M. Night Shyamalan deve ser o principal exemplo de altos e baixos. Depois de ter disputado o Oscar por O Sexto Sentido, o mesmo emendou com o também respeitado Corpo Fechado. Com o passar dos anos suas tramas começaram a ficar batidas e o mesmo seguiu fracasso atrás de fracasso, conseguindo destaque novamente com Fragmentado.



Mas o que leva um suspense a ser bom ou ruim? Há uma receita de bolo? Sinceramente, não. Thrillers muitas vezes desandam pelo ritmo e pela forma como as coisas são contadas. A falta de realismo (até mesmo em tramas paranormais) também prejudica.

Vamos ao exemplo de O Silêncio dos Inocentes, praticamente o único suspense a vencer o Oscar até a chegada de Parasita (o filme tem vários gêneros mas creio que thriller seja o principal). O filme, assim como o livro, toma uma atitude não muito comum em tramas de detetive. Ainda no início da película somos revelados ao Buffalo Bill, como ele é e como ele comete seus crimes. Na mão de um mal escritor, roteirista ou diretor, isso poderia ser desastroso. Ora, você perdeu a chance de manter toda uma trama levando o leitor ou telespectador a descobrir quem está cometendo os crimes. Já eu, sinceramente, acho que esse tipo de trama é problemática, principalmente em casos policiais, e mais pra frente vou citar um exemplo controverso.



Voltando a Silêncio dos Inocentes, o que torna, tanto o livro quanto o filme tão bons? Primeiro, construção de personagens. Construir bons personagens deveria ser regra para qualquer obra mas admito que há gêneros que não necessitem de tanto enfoque nisso. Suspense com certeza não é esse caso. Construir um personagem profundo e com várias camadas é essencial. O grande charme da obra fica na relação entre o canibal, já preso, Hannibal Lecter, e a detetive Clarice Starling, protagonista da ficção.

Aqui temos, como o lado da lei, uma até então novata, buscando um serial killer perigoso, que mata justamente aquelas de mesmo sexo que ela. Do outro lado, temos alguém que está há anos na cadeia por ter devorado suas vítimas. Hannibal sabe como um assassino pensa e Clarice utiliza esse fator para que o mesmo possa ajuda-la. Nota-se que aqui temos em conjunto duas mentes muito inteligentes, ambos com memórias cruéis, cada um lidando de uma forma. Em resumo, o que torna a obra tão boa é a forma como Clarice vai atrás de Buffalo Bill, descobre quem ele é e seus motivos. Ou seja, nós, que somos um personagem externo, sabermos como o assassino é e como ele atua não prejudica a saga da protagonista, o fato apenas nos deixa curioso para saber como ela chegará até lá.



O já citado Zodíaco é outro bom exemplo. Zodíaco é um filme bem semelhante a Memórias de um Assassino, demonstrando de uma forma realista a busca por um serial killer. Memórias utiliza a perspectiva de primeira pessoa para mostrar como os crimes são cometidos, enquanto Zodíaco demonstra os crimes na terceira pessoa, com o bandido mascarado ou coberto pela sombra, sempre interpretado por atores diferentes. Nesses casos, sabemos como o bandido age mas não sabemos sua face. Inclusive, abre-se a brecha para que seja mais de um criminoso, que também um ou outro caso tenha sido agregado à conspiração de forma incorreta.

O caso do Zodíaco já foi contato em uma série de filmes mas, além da obra de David Fincher, o segundo filme mais famoso sobre o caso é Perseguidor Implacável ou apenas Dirty Harry (1971), protagonizado por Clint Eastwood. Assim como Silêncio dos Inocentes, o filme decide revelar a face do assassino ainda nos primeiros momentos. Mais do que isso, o encontro entre Harry e Scorpio (que na prática é uma cópia do Zodíaco) não tarda muito na trama. Claro, o filme possui um tom muito mais de ação do que de suspense, mas o desenrolar da narrativa possui um fator interessante que também se assemelha ao que Bong Joon-ho utiliza em Salinui chueok, assim como Fincher em Zodíaco: Como provar que o assassino é o assassino? Até onde sua convicção está acima dos juízes e da justiça? Evidências. Evidências.



Assim como Dirty Harry, os detetives de Memórias de um Assassino e a mãe de Mother entram no aspecto de fazer com que suas narrativas sejam as verdadeiras. Ou seja, temos a narrativa que os protagonistas desejam, a narrativa que acreditamos que seja a real, a narrativa do diretor e, nos casos em que é adaptado um crime real, a narrativa da realidade.

Prez, da DC Comics, é um dos vários personagens obscuros e esquecidos que Neil Gaiman resolveu utilizar em Sandman. Em um determinado capítulo, conta-se a história do mesmo em uma realidade aonde o rapaz foi o mais jovem presidente dos EUA, um retrato do sonho americano. Não chega a ser um grande spoiler, mas ao final do capítulo Prez morre sem que ninguém tenha certeza como, apenas sabem que morreu. Cada cidadão tem sua ideia de como o mesmo morreu e, numa situação sem evidências, todas aquelas situações imaginadas existem. 



Claro, Sandman é uma obra fantástica e o poder dos sonhos e realidades paralelas são elementos da mesma, mas, ao mesmo tempo, refletem algo que ocorre em nosso mundo. A história é reescrita de tempos em tempos, tendendo para lados políticos diferentes e claramente sendo influenciado por aqueles que governam. As vezes essas mudanças demoram séculos, as vezes apenas décadas, o que acaba causando conflitos de gerações.

Como já deu para notar, o enfoque desse texto é sobre narrativas e perspectivas e, meus amigos, Bong Joon-ho é claramente uma das mentes mais precisas ao saber lidar e discutir sobre o assunto. Não me limito aos dois filmes que estamos discutindo, mas também a praticamente todas as suas obras.

Verdades à força


Aqui já aviso que vou entrar num belo terreno de SPOILERS. Entre as obras que vou discutir o final vão estar os 2 filmes principais, assim como Dirty Harry, Se7en e Zodíaco. Particularmente, sobre Memórias de um Assassino e Zodíaco, spoiler é relativo, já que são fieis em muitos aspectos ao desenvolvimento real das situações, as quais discutirei também.

Primeiro, vamos ao Zodíaco. O serial killer Zodíaco até hoje é um mistério. Nunca prenderam o responsável pelos assassinatos e pelo tempo pouco se crê que o mesmo ainda está vivo. Assim como demonstrado no filme, houve um forte suspeito, Arthur Leigh Allen. Arthur cumpriu pena de 3 anos por molestar crianças e, segundo testemunhas, apresentava comportamentos e falava coisas compatíveis ao modo como o Zodíaco agia. Arthur morreu em 1992, quase na mesma época em que foi identificado um sobrevivente de um de seus crimes, o qual indicou Allen como tento traços e voz similares ao matador. O caso nunca foi concluído devido a isso.



O assassino de Hwaseong entra em uma situação parecida. No filme, temos um sujeito fictício, Park Hyeon-gyu, que é justamente o suspeito que mais foge dos padrões dos restantes. Não demonstra nenhum surto de loucura, não possui costumes pervertidos, é claramente racional e inteligente, pouco se deixando levar pela violência que sofre. Nesse ponto a polícia nota que nenhuma tortura levaria o mesmo a confessar algo. O caso ocorreu no fim dos anos 80, num momento que a Coréia do Sul estava no fim de seu governo militar e era um país muito abaixo dos EUA em tecnologia. Devido a isso, os fluídos encontrados em uma das vítimas, que seriam a prova para incriminar o suspeito foram para o outro lado do globo. Após um surto violento do detetive Seo Tae-Yoon, que até então era o mais calmo e sensato, no qual tenta matar o suspeito, Park Doo-man trás um exame inconclusivo do material coletado. Assim, a moral fala mais alto e soltam o possível assassino pra vagar pelo mundo.

Na vida real, quem acabou preso foi Yoon Sang-Yeo, o qual permaneceu preso até 2009, rodeado de indícios que foi mais uma das narrativas armadas pela polícia para concluir o caso, mesmo que o preso tenha sido condenado apenas pelo assassinato da oitava vítima. Os outros casos ficaram em aberto, até a identificação do real criminoso no ano passado (2019), Lee Choon-jae. O serial killer já cumpria prisão perpétua desde 1994, por ter estuprado e matado sua cunhada. O mesmo, após ter sido descoberto através de um exame de DNA realizando comparando amostras que haviam sido guardadas das roupas íntimas das vítimas, assumiu todos os assassinatos, assim como mais de 30 estupros. 


Vamos agora voltar a duas outras obras. Dirty Harry e Se7en. Dirty Harry segue toda uma proposta de visão republicana, de como a justiça acaba se pondo a defender um criminoso (no filme, não é deixado espaço para dúvidas de que aquele é o Scorpio). Ao fim do filme, após o serial killer se pôr como vítima de tortura policial, colocando a credibilidade de Harry em cheque, o personagem de Client  se cansa e acaba matando o criminoso, sendo ele, como um Juiz Dreed, polícia, juiz, júri e executor. O filme termina com Harry jogando seu distintivo no rio, se negando a prosseguir a atuar em algo que não acredita mais (o que não impediu uma série de sequências que ignoram esse fato e até mesmo a perspectiva política do primeiro filme).



Se7en é o tal caso controverso que iria citar. Particularmente gosto do filme mas acho a revelação do criminoso fora de ritmo e muito de repente. Isso as vezes pode cair bem em determinadas histórias mas, para mim, rola uma quebra no que desenvolvia até então.

Apesar disso, Se7en se mantém como um clássico do gênero, principalmente pelo seu final. Novamente, assim como em Dirty Harry e Memórias de um Assassino, vemos o protagonista perder o controle, nesse caso matando o serial killer. Como ocorre em Salinui chueok, o protagonista, até então alguém racional e calmo, perde o controle após ver que a última vítima era alguém próximo de si. Nisso, quem teve sua narrativa como vencedora foi John Doe, que concluiu a sequência dos sete pecados, levando o herói exalar sua ira.

E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará?


Agora temos Mother que, dentre todos os citados, é o único que não se passa na perspectiva dos detetives (Zodíaco divide o protagonista entre um detetive e jornalistas investigativos), mas sim do suspeito e da pessoa que mais deseja que o mesmo seja solto. E bem, como havia citado anteriormente, é Bong Joon-ho mostrando seu melhor, entregando um terceiro ato destruidor.

A mãe busca a qualquer custo livrar o filho da cadeia, querendo que sua narrativa seja a real, se importando ou não que o suspeito que ela encontre seja o real assassino. Durante o filme, a protagonista começa a descobrir que a adolescente morta se prostituía e tirava fotos de seus clientes, o que seria motivo o bastante para que houvesse uma vingança. Entre vários adolescentes violentos, a mesma encontra um senhor catador de lixo, que estava no local do crime no momento do ato. 




Quando chegamos nesse ponto, assim como a protagonista, todos somos levados a crer que finalmente chegamos à conclusão, encontramos o assassino. Aí vem o grande plot-twist. O catador de lixo não era o assassino, mas sim a única testemunha.  Yoon Do-joon, o filho da protagonista, foi o real assassino.

Durante todo o filme é explorado a doença mental do filho, até ser descoberto que o mesmo teve suas atividades neurais prejudicadas após ter sido envenenado pela mãe ainda jovem, pois ambos passavam fome e estavam no extremo da pobreza (o tema, relacionando pobreza a doenças mentais, é regra nos filmes de Bong Joon-ho). O veneno não matou o garoto, mas o tornou diferente dos demais, sofrendo bullyng pelo resto da vida. 



Sua mãe sempre o orientou a revidar agressões verbais. Justamente por isso, Yoon Do-joon cometeu o assassinato. Após ser chamado de retardado e recebido uma tentativa de pedrada, o mesmo revidou, acertando a pedra diretamente na cabeça da garota. Se sentindo mal, sem saber direito o que fez,  arrastou o cadáver até um local visível. Por conta da bebedeira, não se lembrava do que houve naquela noite.

Como foi possível notar nos exemplos anteriores, com exceção de Zodíaco, todos terminar com o protagonista chegando a seu extremo e Mother segue a mesma linha. Após se perder na história que conta para o catador de sucata, informando que iriam soltar o jovem preso por terem descoberto algum real culpado, o senhor decide que ligará para a polícia impedir que tomem uma decisão errada. A mãe então mata o senhor e ateia fogo em sua casa.



Como se isso já não fosse um final insano o suficiente, eis que a polícia chega com as “boas notícias”. Encontraram o “verdadeiro” culpado, um rapaz, também deficiente mental, que possuía sangue da vítima em suas roupas. O mesmo informou que apenas havia contratado os serviços da garota e a mesma acabou derramando sangue do nariz. Uma história difícil de acreditar, mas que a mãe sabia muito bem que era verdade. Ao final, seu filho é solto, um inocente é preso e, após tudo isso, a mesma se vê obrigada a apagar sua própria memória.

Por fim, temos um dos roteiros mais irônicos possíveis, o qual lida justamente sobre criar uma narrativa. Se a mãe tivesse simplesmente aceito a confissão do filho, e aguardado, a mesma teria sido agraciada com a liberdade do filho e a descoberta de que o assassino foi outra pessoa. Nada disso seria verdade, mas seria a verdade oficial, aquela para a polícia, aquela para o filho, aquela para o preso que possuía dúvidas de sua culpa e, principalmente, a verdade para ela. 


O filme mother! que citei no início, é uma grande metáfora a Bíblia Cristã mas, é em Mother de Bong Joon-ho, que vemos de uma forma tão caótica quanto, o resultado de comer do fruto proibido e dos perigos que o conhecimento pode trazer para a mente. Até que ponto ter “onisciência” dos fatos é vantajoso? É realmente melhor saber a verdadeira verdade, ou aceitar a verdade que é nos dada?

Infinitas narrativas


Por fim, esse foi um artigo para discutir, não só sobre narrativas de qualidade, mas sobre o talento de narrar sobre narrativas o que é algo ainda mais complexo. Como o final de Metal Gear Solid 2 previa para a sociedade do século XXI, hoje estamos em um mundo repleto de informação, a qual a maioria está relativamente de fácil acesso (em comparação a tempos em que a maioria não sabia ler e documentos ficavam apenas com a elite) e, como é possível ver, estamos em momentos aonde existem inúmeras narrativas sobre todos os assuntos. Cada vez mais temos verdades próprias e não mais verdades compartilhadas, fazendo com que a brincadeira que Neil Gaiman fez com a morte de Prez ser muito mais profunda do que parece.



Mais do que isso, esse artigo tem como motivo acender uma chama em quem está lendo a buscar mais obras asiáticas. Como disse, Bong Joon-ho tem um trabalho invejável e as conquistas que conseguiu por Parasita valem por todo seu histórico. E claro, o mundo oriental não se limita a ele, Park Chan-wook, Ang Lee, Wong Kar-Wai, Takeshi Kitano, Nagisa Ōshima, entre outros grandes nomes do cinema oriental estão aí para terem seus trabalhos apreciados.

É, por hoje acho que é isso. Como disse, longos 2 anos se passaram e muita coisa mudou, assim como não era tão fácil achar tempo para escrever, duvido que isso mude mas, talvez, por conta da quarentena, possa haver um período mais livre para isso (procrastinando outras tarefas, rs).

Au revoir

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