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Review | Bingo: O Rei das Manhãs



Infelizmente o grande número de filmes de qualidade pífia do cinema nacional acabam abafando o lançamento de filmes realmente bons produzidos por brasileiros e que muitas vezes nem entram em circuito comercial. Por sorte, há alguns projetos que fogem disso é conseguem suporte de grandes produtoras, assim proporcionando apresentações de trabalhos de grande qualidade para o grande público e Bingo é um desses célebres casos.

Vamos ser sinceros, Bingo vinha sendo um filme com expectativas bem baixas, aparentando ser mais uma de várias cinebiografias comuns sem um grande diferencial, junto ao problema da falta de licenças para utilização do nome Bozo e menos ainda de manter o nome de personagens. Por ironia do destino, são esses detalhes que tinham tudo para prejudicar ainda mais o filme que o consagram.

Esse é o primeiro trabalho como diretor de Daniel Rezende, esse que está longe de ser um iniciante no cinema. Trabalhou por mais de uma década como editor, com um currículo invejável, editando filmes como Cidade de Deus, os dois Tropa de Elite, o indicado ao Oscar de Melhor Filme e vencedor da Palma de Ouro A Árvore da Vida, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, Diários de Motocicleta, Ensaio sobre a Cegueira, entre outros projetos relevantes. Pelo primeiro filme citado, foi indicado ao Oscar e vencedor do BAFTA, uma enorme glória para um brasileiro. Depois de tantos anos trabalhando ao lado de Meirelles, Salles, Padilha, Hamburger e até mesmo Malick, Rezende decidiu se arriscar como diretor e, fazendo jus aos seus trabalhos na edição, demonstra ser um diretor de mão cheia.



O filme adapta bem livremente a história do ator Arlindo Barreto, no filme Augusto Mendes (interpretado por Vladimir Brichta), terceiro ator do palhaço Bozo no Brasil. Isso mesmo, terceiro, diferente do que é proposto na trama, aonde Augusto é o primeiro, no caso, palhaço Bingo. Desde esse ponto podemos interpretar o filme realmente como uma ficção, mas com leves inspirações em situações reais.

No filme, Augusto, filho da atriz Marta Mendes (interpretada por Ana Lúcia Torre e que na vida real era Márcia de Windsor), vive de sucessos no cinema da Pornochanchada, filmes pornográficos típicos da década de 70 e 80 do nosso país. Pai de Gabriel e ex-marido da atriz Angélica (interpretada por Tainá Muller), sucesso na TV Mundial (versão genérica da Globo), Augusto começa a ficar incomodado com sua carreira pornográfica e após fracasso na Mundial, resolve participar de um teste para uma nova novela na TVP (SBT) mas que no meio dos corredores de testes decidiu ir para a fila de atores que estavam tentando ser um novo palhaço, sucesso nos EUA que iria apresentar um programa infantil, chamado Bingo. Claro, o papel é conquistado por ele e assim a história se inicia.

Apesar de haver um grande foco nos bastidores da TV e em como foi desenvolvido o programa infantil, o maior destaque da trama escrita por Luis Bolognesi (Bicho de Sete Cabeças) fica para os vícios e loucuras de Augusto, em uma vida repleta de noitadas recheadas de prostitutas, álcool, cocaína, LSD e outras imoralidades. Conforme seu sucesso aumenta entre as crianças, o ator vai perdendo a admiração de seu filho e seu rumo na vida, se afundando nas drogas e no caos interno de não poder usufruir do sucesso como Augusto, apenas como Bingo.



Como falei, há sim um foco para os bastidores da TV que são bem interessantes, principalmente no que se trata da rivalidade entre Globo e SBT, no caso Mundial e TVP, principalmente no horário da manhã com o programa da Xuxa (Lulu no filme) de um lado e do Bozo (Bingo) do outro, aonde fica forte a presença da produtora e diretora Lúcia (Leandra Leal). O filme, como obviamente já ficou claro, é para um público adulto e não tem medo de brincar sobre o uso de sensualidade em programas infantis, sendo o uso de Gretchen (única personagem que mantiveram o nome real e que é interpretada por Emanuelle Araújo) um ponto chave nesse aspecto.

O filme, além de lidar muito bem tanto com a parte dos bastidores da TV quando do ápice e declínio de Augusto, também possui alguns sub-plots como da mãe do protagonista, abandonada pela televisão após se tornar idosa, o que conversa com o plano geral do filme envolvendo sucesso e glória e o quanto eles duram.

Daniel sabe muito bem montar trechos de plano sequência, abusando disso e apresentando sua própria cara logo em sua estreia. A fotografia de Lula Carvalho, acompanhado da direção de arte de Cássio Amarante ajudam em muito para o embelezamento das cenas e da fidelidade de cenários e clima da época.



Há ainda um aproveitamento da história para também lidar um pouco com a sociedade e o clima brasileiro nos anos 80, na pegada da redemocratização e da busca por liberdade em excesso. Com isso, aproveita talvez o que há de melhor nessa época que é as músicas, utilizando de grandes sucessos sejam nacionais como Roupa Nova e Tokyo ou internacionais como Nena, DEVO e Echo & The Bunnymen. Na trilha original, composta por Beto Villares (Abril Despedaçado) também mantem esse clima, utilizando apenas de sintetizadores, numa pegada bem semelhante a utilizada na série Stranger Things.

Em um mundo moderno com vlogger e web-celebridades agindo de forma caricata em busca de views e sucesso, um filme ambientado nos anos 80 conversa muito bem com o presente. Mesclando bem esse aspecto com um drama envolvendo fracasso familiar e abuso de drogas com direitos a bad trips (não tão loucas como em Trainspotting mas ainda sim bacanas), Bingo: O Rei das Manhãs pode ter talvez o poder de dar uma mudada no cenário nacional do cinema. Desde os Tropa de Elite não havia um filme de circuito comercial com uma combinação de boas ideias e práticas melhores ainda, logo é um filme mais do que obrigatória para quem possui interesse em dar chance para os bons filmes do nosso cinema.


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