Twin Peaks: Um pouco sobre o ícone cult
Pode parecer 25 anos, mas o blog
só tá parado há alguns meses, mesmo assim parece uma eternidade. Essas pausas
longas me irritam completamente, mas infelizmente tempo é algo em falta (não
que eu necessariamente possua tempo agora, mas a falta de escrever ia acabar me
matando).
Em cerca de 8 meses de blog ainda
não tinha conseguido a oportunidade para falar de séries aqui (nem de HQs, mas
isso fica mais pra frente) e, por coincidência, há uma deixa perfeita para
escrever sobre durante esse e os próximos meses. No final do mês passado o
canal Showtime realizou o sonho de milhares de fãs e trouxe de volta, após 2
décadas e meia, uma das séries mais cultuadas da história: Twin Peaks. Criada
pelo renomado (e completamente maluco) cineasta David Lynch, a série que foi um
sucesso do início dos anos 90 retorna agora trazendo de volta as doideiras da
série original, agora com a oportunidade de ser mais explicita.
Tá, uma boa parte de quem está
lendo deve ainda estar se perguntando o que diabos é essa série. Ela nunca
chegou a ser muito popular por aqui (por sorte, alguém talvez tenha tipo a oportunidade
de ver no Canal Viva há uns anos atrás, ou quando estava disponível na Netflix),
na época sendo exibida nas noites de domingo toda picotada na Globo (alguns
anos mais tarde na Record), enquanto passava na ABC nos EUA (também um canal
aberto, algo que vale destacar desde já). Mesmo assim, é uma série com fanbase relevante
por aqui, apesar de bem menos que entre os americanos. De qualquer modo, deixo
claro que é uma série bem no padrão “ame ou odeie”.
Na trama original, tudo começa
quando é encontrado o cadáver de Laura Palmer (Sheryl Lee) enrolado em saco plástico na
beira de um rio em Twin Peaks. Laura era provavelmente a aluna mais popular da
escola em que estudava, o que também queria dizer que quase todos daquela
pequena cidade, na fronteira com o Canadá, conheciam. Como é de se imaginar, esse
tipo de crime era no mínimo incomum na cidade, causando um impacto geral,
principalmente se tratando de alguém querido pela maioria. O crime logo trás o
agente especial do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachlan) à cidade para investigar o caso.
A história poderia se desenvolver
como um thriller qualquer, vários suspeitos, cidade pequena, achar pistas...
Mas é o do Lynch que a gente tá falando e, quando se fala dele dá pra se
esperar muita coisa fora da casinha e bem, isso já começa a ficar claro desde o
terceiro episódio e... O ANÃO DANÇANTE.
Twin Peaks é uma série que vai
perdendo a noção do crível a cada episódio e é isso que a torna tão especial.
Pouco a pouco vamos descobrindo quem matou a Laura e vemos que isso é apenas um
começo para as maiores revelações. De praxe, a imagem de santa boa moça de
Palmer começa a cair por água abaixo e vemos o quão perdida e morta por dentro
ela já estava antes de ser assassinada.
O trabalho de David Lynch com o
co-roteirista Mark Frost se destaca muito mais pela criação da mitologia da
série do que pelo desenvolvimento de trama. Seja no modo bem
construído que é apresentado os personagens, seja na parte mística que vai se
revelando aos poucos.
A série a todo momento fica
vagando num emaranhado que mistura suspense, terror e comédia, sendo nesse terceiro
aspecto que a série consegue se manter durante boa parte do tempo. Apesar dos
temas tensos que a história lida, o que não falta são personagens engraçados. A
verdade é que Twin Peaks É UM GRANDE NOVELÃO! Tem o núcleo mais focado na
trama, o núcleo do casal adolescente chato, o núcleo do marido que não gosta da
esposa, o núcleo do corno, o núcleo dos comédia, o núcleo do casal de
trambiqueiros, só não tem o núcleo do bar da Dona Jura.
Vamos analisar os personagens.
Pra começar, o protagonista, Dale Cooper. Ele é um personagem que vai evoluindo
com o tempo e se tornando mais sério conforme os problemas graves surgem, mas
de início, principalmente na primeira temporada, temos um investigador no
mínimo galhofa. O cara é o clichê absoluto de policial, pagando de certinho,
viciado em donnuts, torta de cereja e CAFÉ. Sim, muito café! Na maior parte da
série a xícara de café parece estar colada na mão do Cooper, sendo a marca
registrada dele além do terno, o gravador (“Diane...”) e o JOINHA! Sem falar
nas brisas envolvendo Tibet e no modo como segue sua intuição (que por algum
diabo de motivo sempre está certa).
Se não bastasse um protagonista
com grande forte no humor, temos ainda núcleos com foco só nisso como do Andy
com a Lucy (que se resume a um romance de dois idiotas exagerados) ou da Nadine
ou do Ben Horne birutas (qualquer coisa dita além disso já vira spoiler). Sem
falar que ao longo da série surgem amigos de Cooper tão carismáticos quanto
ele como o sempre mal-educado Albert, a velha surda da Praça é Nossa o surdo
Gordon Cole (interpretado pelo próprio David Lynch) e Denise que, mesmo se
tratando de uma transexual, é cómico sem em nenhum momento ser lidado de
maneira homofóbica ou transfóbica.
Claro, temos outros personagens
interessantíssimos, como Audrey (e suas danças sem sentido em situações
quaisquer), o maluco doutor Jacoby, o velho que trabalha no hotel, o gigante,
Maddy (a prima de Laura, também interpretada por Sheryl Lee), a doce Annie
(Heather Graham, provando que deve ser uma vampira por aparentar a mesma idade
após 25 anos), a também linda Shelly e o malandro do Bobby (filho do misterioso
Major Briggs, um dos melhores personagens da segunda temporada). Leeland Palmer então, um caso a parte.
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Quando a merenda é boa e |
Apresentar trejeitos e características específicas é algo que poucos sabem fazer bem feito, e Twin Peaks manda bem demais nisso. Não é difícil achar cosplayers de Mulher do Tronco ou a associação de Cooper ao café e a torta. Símbolos como a sala vermelha, o anel verde e o símbolo presente no mesmo anel são praticamente marcas registradas, sendo facilmente motivos de homenagens em inúmeros lugares como Scooby-Doo, Apenas um Show, Max Payne...
Tá, nem tudo é vantajoso nesse padrão novela da série, e isso fica claro na segunda metade da segunda temporada, aonde enfiaram muita coisa desnecessária para encher linguiça e, se há um problema novelístico na série, se chama Donna e James. Os dois no começo te chamam a atenção e tals, você até espera algo interessante mas... Pqp, chega uma hora que dá nos nervos, casalsinho meloso do caramba.
Tá, nem tudo é vantajoso nesse padrão novela da série, e isso fica claro na segunda metade da segunda temporada, aonde enfiaram muita coisa desnecessária para encher linguiça e, se há um problema novelístico na série, se chama Donna e James. Os dois no começo te chamam a atenção e tals, você até espera algo interessante mas... Pqp, chega uma hora que dá nos nervos, casalsinho meloso do caramba.
Agora vamos voltar a falar de
coisa boa. Além da comédia já citada, a série tem um grande talento no que se
refere a suspense e terror. O mistério de quem matou Laura Palmer é até bem
popular, mas seu assassino nem tanto, até pela complexidade do caso. Laura
tinha a ficha mais suja que fim de festa e é quase como se tivesse vários
culpados, apesar de um principal que ainda continua sendo complexo. Vale
destacar que o assassino é revelado ainda antes da metade da segunda temporada,
o que acaba resultando naqueles problemas novelísticos. Depois desse caso o
foco se volta mais ao Cooper e à demônios de seu passado, uma trama que,
apesar de começar meio lenta, vai ficando bastante interessante até o fim da
série.
Agora destacando o tal do terror,
ele está quase que todo presente só nos episódios dirigidos pelo Lynch
(diferente da nova temporada, David dirigiu apenas alguns, com direito a Diane
Keaton atrás das câmeras em um dos outros). Normalmente os momentos de terror costumam ocorrer
no fim de alguns episódios, geralmente possuindo algumas cenas com gritos e
flashs assustadores, principalmente no que envolve Bob, personagem central da
série. E claro, o episódio final da segunda temporada consegue trazer uma dose
forte de terror, seja psicológico, seja no que se refere a sustos. A
complexidade da série ainda é algo pra se ver em outro artigo, mais focado no
lore.
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TRAZ ÁGUA BENTA!!! |
Depois de uma primeira temporada
bem popular e uma segunda que decaiu de popularidade no meio, Twin Peaks foi
encerrado com alguns dos cliffhangers mais safados da história. Na verdade, a
primeira temporada também termina assim e a grande verdade é que Lynch não
queria continuar desde ela, ou seja, as pontas soltas são mais por
filhadaputagem luxo do criador do que por motivo de cancelamento. De qualquer
modo, em 1993 foi lançado Twin Peaks: Fire Walk With Me, que foi lindamente
traduzido pra cá como “Os Últimos Dias de Laura Palmer”. Pô, nem imagino do que
o filme fala. Mas como tá descarado aí, o filme conta o que rolou com a Laura
antes de virar um rocambole de saco plástico no rio. Além disso, também conta o
caso do primeiro assassinato que estaria ligado ao de Laura, investigado pelos
agentes Desmond (Chris Isaac) e Sam Stanley (Jack Bauer Venom Snake Kiefer
Sutherland), o que nos apresenta a um certo anel que tem total importância pro
lore da história. Além disso, também temos alguns acontecimentos pós-final da
série, sem falar de uma situação inusitada envolvendo um agente desaparecido da CIA
chamado Phillip Jeffries (David Bowie).
Fire Walk With Me foi o primeiro
filme de Lynch após Coração Selvagem, filme com Nicholas Cage e Laura Dern que
deu ao diretor o prêmio Palma de Ouro em Cannes. Nesse momento David estava
mais do que em alta, já com 2 indicações ao Oscar, vitória no Globo de Ouro,
indicações ao Emmy, além de outros prêmios. Eis que a prequela de Twin Peaks é
apresentada em Cannes e... É vaiada pra caramba! Foi e é até hoje é um dos casos
mais polêmicos e famosos do festival, considerando todos os fatores que citei.
A galera avacalhou o filme criticando a ordem um tanto bagunçada das coisas
além de ser difícil de entender pra quem não conhecia a série (aí já é pedir
demais, né?). A verdade é que o filme, apesar de ser bom, claramente tem seus problemas, parece que
faltam coisas (e realmente faltam, já que Lynch filmou cerca de 5 horas de
filmes, reduzidas pra 2), e é aí que entra o segundo “filme”.
Em 2014 a série foi finalmente
remasterizada e lançada num box maravilhoso de blu-ray (que saiu custando uma
facada por aqui, apesar de uma promoção louca que rolou no Submarino uma vez).
Além de trazer toda a série e o filme, também trazia “The Missing Pieces”, o
tal segundo filme que disse. O disco traz uma série de cenas deletadas de Fire
Walk With Me, unidas na forma de um filminho mesmo, em ordem cronológica com 1
hora e meia de material (maior que muito filme por aí, por isso muitos os
classificam como um). Missing Pieces é um acompanhamento mais do que necessário
pra se ver logo após FWWM, cobrindo várias pontas além de esclarecer várias
coisas como o personagem já citado do Bowie (que no filme original aparece
cerca de 1 minuto apenas, aqui possuindo bem mais destaque). De sobra, blu-ray
bônus é finalizado com uma versão estendida da cena final da série, pra deixar
mais do que claro o que ocorreu.
De Fire Walk With Me até esse box
de blu-ray foram mais de 2 décadas, com Lynch sempre se recusando a propostas
de continuar a série, até por possuir planos envolvendo o cinema. Quase voltou
para a TV como Mulholland Dr., série de 1999 que mal passou do piloto e que
acabou sendo regravado em 2002 como o filme Cidade dos Sonhos (que resultou a
volta da glória do diretor em Cannes, com prêmio nesta categoria, sem contar a
indicação ao Oscar). Nessas 2 décadas Twin Peaks foi se tornando cada vez mais
cult, com mais fãs pedindo para o retorno, sempre negado por David, que chegou
a proibir uma HQ que começou a ser produzida para dar sequência à trama. Mas
depois que foi lançado Missing Pieces as teorias sobre uma provável terceira
temporada começaram a ficar fortes, o que se confirmou 1 ano depois.
Twin Peaks: The Return está indo
ao ar todos os domingos de noite no Showtime dos EUA, saindo por aqui na
Netflix na segunda-feira seguinte. O grande mérito para essa nova temporada é
ser toda dirigida por Lynch, o que mantém um padrão em todos os episódios, além
de tornar todos eles ainda mais estranhos. Também vale lembrar que a grande
maioria dos atores retornaram, o que torna a sensação de assistir ainda mais bacana. O objetivo da trama atual está se revelando aos poucos, sendo uma
série bem creepy que a antiga, até por não ser mais em canal
aberto, o que permite classificação mais alta. As cenas de humor envolvendo
gente andando devagar ou pausas silenciosas em conversas agora são ainda mais
comuns, sem falar nos atores famosos que foram chamados, como Amanda Seyfried,
Michael Cera e Laura Dern. Ah, e todo episódio temos uma apresentação musical
na Roadhouse, com bandas em maioria indies, tendo como futuros convidados confirmados Eddie Vedder do Pearl Jam (ou seria um personagem? Ainda não se
sabe) e a cantora da série clássica, Julee Cruise. Provavelmente rola artigo
sobre essa temporada logo que acabar.
Por hoje é isso, espero que tenham gostado. Pretendo
continuar trazendo materiais com mais frequência pro blog, de preferência
artigos, além de tentar melhorar a cara da casa. E sobre Twin Peaks, se ainda não
viram, deem um jeito de verem para não ficarem perdidos com a nova temporada
sendo exibida.
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Sendo otimista, essa é a previsão pro próximo artigo |
BYE!