Review | Os Suspeitos (Prisoners)
O que você faria se sua filha simplesmente desaparecesse após provavelmente ter subido em uma van, essa que tem como motorista um jovem com graves problemas mentais? E ainda, se o mesmo fosse logo solto como inocente e te dizendo coisas estranhas sobre sua filha? É com essa situação que iniciamos essa que é provavelmente uma das maiores obras de thriller dessa década: Prisoners (ou Os Suspeitos, com a péssima adaptação do título original).
Dirigido por Denis Villeneuve, o diretor
de O Homem Duplicado, Sicario, e de um dos favoritos ao Oscar 2017, A Chegada, e roteirizado por
Aaron Guzikowski, criador da série The Red Road, Prisoners é um thriller de
2013. É estrelado por Hugh Jackman (X-Men, Os Miseráveis), Jake Gyllenhaal
(Donnie Darko, O Homem Duplicado) e Paul Dano (Swiss Army Man, 12 Anos de
Escravidão). Possui trilha sonora composta por Jóhann Jóhannsson (A Chegada, A
Teoria de Tudo).
O filme, ambientado na
Pensilvânia, inicialmente apresenta Keller Dover (Hugh Jackman), um pai de
família, casado com Grace (Maria Bello) e com dois filhos, Ralph e Anna. A
família toda vai passar o dia de ação de graças na casa de seus vizinhos, formados
pelo casal Franklin (Terrence Howard) e Nancy (Viola Davis) e pelas filhas
Eliza e Joy. Tudo ocorre como um dia feliz e normal, até a hora em que Anna e
Joy pedem para ir à casa dos Dover para procurar um apito vermelho. Considerando
que a proximidade e o ambiente pacato, elas são autorizadas. As horas passam e
elas simplesmente não retornam. Após uma longa procura notam que as duas
desapareceram e consideram como primeira suspeita o motorista de uma van a qual
as duas estavam mexendo algumas horas antes e que havia sumido do bairro.
Do outro lado da trama temos o
detetive Loki (Jake Gyllenhaal), esse que é acionado a procurar a van logo após
a denúncia dos pais das crianças. O mesmo acaba cercando a van e capturando o
motorista, Alex Jones (Paul Dano). Jones apresenta um QI de uma criança, além
do veículo não possuir evidências das meninas. Após tudo dar a entender que Alex não teve ligação ao sequestro, ele é liberado de volta para a casa de sua
avó Holly (Melissa Leo).
À partir daí o filme se separa em
duas jornadas: A de Keller, que quer a todo custo saber aonde sua filha está,
com a completa certeza de que foi Alex quem cometeu o sequestro (principalmente
após uma frase estranha dita pelo mesmo), fazendo de tudo para conseguir
informações do paradeiro das crianças; E a de Loki, esse que cumpre sua função
de detetive e fica tentando identificar outras possíveis pessoas que poderiam
ter cometido o crime, investigando tendências pedófilas de cidadãos da cidade.
A visão de ambos se opõem, levando aos dois a se confrontarem várias vezes,
apesar do mesmo objetivo.
O filme consegue ter a melhor
qualidade para um suspense, que é a dúvida. Até os minutos finais do filme, as
pistas, apesar de fortes, sempre deixam em dúvida a culpa de Alex ou não.
Apesar de várias coisas que levem a ele, ele realmente parece não saber de nada
ou ter noção do que está acontecendo. O que ocorreu com as crianças também só é
revelado nos momentos finais, com o filme sempre apresentando várias situações
possíveis. É uma revelação que ocorre de repente, mas não é de forma jogada.
Quando tudo é revelado, você nota como todas as pontas realmente levavam para
lá, mas as várias possibilidades apresentadas te desviam desse foco, tudo de
uma forma bem inteligente.
Aqui em Prisoners somos
apresentados a duas representações de desequilíbrio emocional que levam a
fúria, tanto em Keller quanto em Loki.
Ao mesmo tempo em que Keller se
torna completamente insano, chegando aos pontos mais absurdos de violência e
ódio, ele ainda se apresenta como alguém fraco emocionalmente, que realmente
ama sua filha e está fazendo tudo possível por ela, sendo moralmente correto ou
não. Ele demonstra uma típica hipocrisia religiosa, rezando Pai Nosso nos seus
intervalos de insanidade, representando bem seu total desequilíbrio. Hugh Jackman
está simplesmente sensacional no papel, em uma de suas atuações mais primorosas
no cinema. É a selvageria em nível de Wolverine, mas muito maior do que já foi
apresentado nos filmes do carcaju. A fúria é clara tanto na voz, quanto no rosto, quanto
nas atitudes, ao mesmo tempo em que o ator consegue apresentar bem o lado fraco
e perdido na tristeza que Keller possui.
Já no lado de Loki temos um
detetive que tenta manter sua reputação de sempre concluir seus casos. Não se
trata de manter seu sucesso, mas sim por uma busca por justiça, mais do que
tudo. Ele segue obviamente os caminhos da lei e as conclusões as quais ele e o
resto da polícia conseguem, apesar da visão de Keller também o tocar. Ele é um
cara completamente calmo em boa parte do filme, mas chega em determinado
momento em que ele já está tão envolvido com a história que o mesmo começa a
ter ataques de fúria e violência. É doloroso apenas ver e ouvir os empurrões
e socos que ele dá em suas interrogações, realmente parecendo que foi uma
violência real e não uma atuação. Jake Gyllenhaal, assim como de costume em sua
galeria de atuações, apresenta uma interpretação magistral, conseguindo manter
o seu tipo de atuação mais famosa, aquela aonde muda da normalidade para a
insanidade em questão de segundos em forma completamente natural e crível.
Apesar de outros grandes nomes
como Viola Davis e Terrence Howard, a outra grande atuação do filme é de Paul
Dano. Sua interpretação é totalmente convincente como a de alguém com problemas
mentais e dificuldade de raciocínio. Ele consegue manter o ar misterioso do
personagem do começo ao fim, fazendo surgir as suspeitas pobres, mas suficientes
para criar cada vez mais teorias sobre o crime. Você realmente fica num misto
de prazer e pena nas cenas nas quais ele está envolvido, num misto de empatia e
antipatia completamente estranha e sensacional.
O roteiro de Aaron Guzikowski,
esse que começou a ser escrito em 2007, é de um capricho incrível já que, como
já foi dito, sabe fazer bem as melhores coisas de um bom thriller, que são a
dúvida e o mistério. A trilha sonora de Jóhann Jóhannsson é de ótima qualidade,
mas é o silêncio a grande marca do filme, algo que pode ser creditado ao
diretor Dennis Villeneuve. O trabalho de Villeneuve, junto a Roger Deakins
(premiado diretor de fotografia, responsável por Sonho de Liberdade e pela
cinegrafia da maioria dos filmes dos Coen) é de ótima qualidade, sabendo manter
um bom serviço básico com vários elementos bacanas, como câmeras paradas em
algum ponto específico, perspectiva perseguindo o personagem, visões borradas,
entre outras características próprias do trabalho de Villeneuve e Deakins, isso
sem falar no exímio capricho envolvendo sons de violência e a agonia apresentada,
isso até o minuto final do filme.
Os Suspeitos é uma incrível obra
da atual década, sendo uma pena sua baixa popularidade na época em que saiu (e
o fato de ter sido pouco lembrado nas premiações principais). É um trabalho de
grande equilíbrio entre direção e atuações, que recomendo fortemente, sendo uma
ótima experiência para quem procura suspenses de qualidade e para quem ficou curioso pelo trabalho de Villeneuve após assistir Arrival.